Por Caetano D’Araujo – Swood Convida
A Internet já mudou e continua a mudar muito nossa sociedade. Ela começou como um projeto militar para criar uma rede capaz de “sobreviver” a ataques nucleares, foi inicialmente utilizada por pesquisadores para partilhar seus conhecimentos e hoje é utilizada por bilhões de pessoas em todo o mundo e para todo o tipo de comunicação.
Como praticamente toda ferramenta criada por nós, a Internet pode ser usada para fins benéficos ou maléficos. Cabe a nós avaliar e impor limites no uso dessa ferramenta para que outras pessoas não nos causem danos emocionais, financeiros ou, em situações excepcionais, físicos.
Um tema central e que nos impacta diariamente quando falamos sobre a Internet é a Privacidade. Ao navegarmos, temos de clicar em inúmeros avisos sobre o uso de cookies e, às vezes, até escolher como os dados gerados por estes cookies poderão ser usados. Na maior parte das vezes clicamos sem ler e aceitamos tudo. Em outros casos, nos dias que estamos com um pouco mais de paciência, escolhemos a dedo como vamos autorizar a partilha dos nossos dados. Porém, mais importante que saber onde clicar e o que autorizar é entender como esses cookies funcionam, os dados que podem ser gerados a partir deles e como esses dados podem ser usados, seja para o bem, seja para o mal.
Como alguns não conseguem entender como nossos dados podem ser usados de forma a nos causar mal, eis um exemplo para ilustrar o seu potencial: uma rede de supermercados nos EUA enviou para a casa de uma família propagandas e descontos de artigos para recém nascidos. O pai da família ligou para a loja reclamando pois ele tinha uma filha adolescente e não considerava esse tipo de anúncio apropriado para seu ambiente familiar. Alguns dias depois ele volta a ligar para a loja pedindo desculpas pois de facto sua filha estava grávida.
Neste exemplo talvez nenhum dano emocional tenha ocorrido. Talvez fosse uma família saudável e carinhosa. Mas caso não fosse, caso o pai fosse uma pessoa violenta.. Essa história poderia ter terminado muito mal.
Cookies
Para aqueles que não sabem o que são cookies e para que servem, eis um exemplo não tecnológico para um problema parecido.
Ao chegarmos em um restaurante durante o inverno podemos deixar nossos casacos na entrada e receber cartão com um número. Ao terminarmos a refeição entregamos o cartão ao funcionário que, com ele, saberá identificar qual é o nosso casaco.
Os cookies de navegação resolvem um problema semelhante e foram criados, inicialmente, para identificar cestos de compras em lojas virtuais. Sem eles, caso o utilizador clique em “Voltar”, a loja não saberá qual o seu cesto e sua compra pode se perder.
Rastreamento
A intenção inicial do cookie é legítima, mas o uso que muitos sites fazem atualmente não é tão legítimo. Hoje grande parte desses cookies são utilizados, não para identificar as nossas cestas de compras, mas sim para nos identificar. Muitos sites utilizam software de grandes companhias de publicidade para aumentar o seu faturamento e fornecem a eles um dos maiores produtos da atualidade: nossa atenção. Ou melhor, dados sobre nossos hábitos online. Dados usados por eles para amplificar e manipular nossa atenção.
Portanto, se uma loja pode, através de métodos estatísticos e sem dados de outros sites, concluir com grande precisão que alguém terá um filho, certamente muitas outras informações sobre nós podem ser extraídas caso a quantidade e qualidade dos dados sejam ainda maiores. Informações que, nas mãos de pessoas mal intencionadas, podem nos causar muitos danos.
Previsão de comportamento
Essas análises estatísticas evoluíram com grande rapidez nas últimas décadas. Nos anos 90 as estatísticas eram bem generalizadas e faziam uso de categorias simples de classificação (homem/mulher, esportivo/sedentário etc). Hoje, técnicas avançadas que unem redes neuronais com psicologia são utilizadas. Somos encaixados em grupos de “personas” que definem com grande precisão nosso comportamento. Um primeiro modelo estatístico nos classifica e um segundo modelo decide o que nos mostrar. O primeiro modelo é criado com a ajuda de psicólogos e o segundo modelo com dados de casos de sucesso (i.e. clicou) e falha (i.e. não clicou) de pessoas do mesmo grupo.
Técnicas como essas são utilizadas, por enquanto, somente por grandes empresas devido ao seu elevado grau de complexidade e custo (mão de obra e poder computacional) mas aos poucos as ferramentas vão evoluindo e se tornando mais acessíveis de forma que pequenas instituições conseguirão fazer o mesmo caso tenham acesso a dados semelhantes.
Políticas de proteção de dados
Não é preciso muita imaginação para perceber o perigo iminente dessas novas ferramentas. E quando percebemos que algo pode nos magoar fazemos o possível para que isso não aconteça. É isso que estamos fazendo ao criar novas regulamentações para a captura, uso e retenção dos nossos dados.
Muitos países já possuem este tipo de regulamentação sendo que as que tiveram maior destaque no mundo foram o CCPA da Califórnia e o GDPR da União Europeia. Ambas regulamentações exigem transparência sobre os dados capturados e sua utilização e garantem que os dados são propriedade do indivíduo e não da empresa (podemos exigir vê-los e apagá-los a qualquer momento).
Escolhas
Como grande parte dos dados são capturados e armazenados por algumas poucas e grandes empresas que possuem escritórios na UE e na Califórnia, podemos ir agora mesmo para os painéis de configuração de privacidade das nossas contas e fazer nossas escolhas de forma mais consciente visto que já entendemos melhor o tema.
Claro que há mais empresas que capturam nossos dados além dos grandes e conhecidos e fazer a configuração acima pode não ser suficiente para alguns. Se este for o caso, outro passo pode ser a utilização de navegadores que possuem mais funcionalidades de proteção como Firefox ou Brave e utilizar buscadores com maior preocupação com privacidade como DuckDuckGo ou SearX.
Em resumo, precisamos saber o valor dos dados que fornecemos e exercer nossos direitos de escolha. Não há nada de errado em gostarmos de ver uma propaganda mais direcionada, que pode nos ajudar a descobrir novidades, mas precisamos ter consciência que, além de uma propaganda, outras coisas podem ser feitas com esses dados, principalmente caso caiam em mãos de pessoas imorais.
Fiquemos atentos e façamos nossas escolhas!
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Caetano D’Araujo é formado em Sistemas de Informação pela PUC-Rio, programa e opera software há 16 anos utilizando diversas linguagens, frameworks e provedores. Hoje trabalha na tblx como Site Reliability Engineer.