Você se lembra quando, há alguns anos, a ideia de ‘propósito’ inundou as conversas sobre o sentido do trabalho em nossas vidas? Os Millennials foram os principais porta-vozes dessa abordagem que, como resposta a um esvaziamento de significado do trabalho que foca somente na performance, evoca as pessoas a buscarem um sentido radical individual em suas atividades (alô, ‘trabalhe com o que gosta e você nunca mais precisará trabalhar’). No entanto, com o passar do tempo e a chegada de crises, a romantização do emprego fundado em propósito pleno se tornou um tanto desconectada da realidade, uma realidade que, para a grande maioria das pessoas, não se sustenta sem a grana para pagar os boletos.
Agora, uma nova geração acessa o mercado de trabalho, trazendo novas perspectivas para reagir a um modelo tradicional, no qual persistem a produtividade e o desempenho a todo custo. Foi diretamente do TikTok que surgiu o gatilho para o mais recente frenesi no mundo corporativo: Zaid Khan, um jovem de 24 anos, registrou sua percepção sobre o espaço que o trabalho ocupa em sua vida, o que, rapidamente, alcançou milhões de pessoas e fez com o que o termo ‘quiet quitting’ (na tradução livre, ‘demissão silenciosa’) fosse um dos tópicos mais populares entre profissionais e especialistas.
Quer entender melhor o que tudo isso revela sobre o mundo do trabalho e como as empresas podem encarar as necessidades que estão cada vez mais evidentes? Então, vem com a gente!
Como assim “quiet quitting”?
A primeira observação a ser feita é que, apesar do nome ‘quiet quitting’ nos levar a uma ideia de desistência, de ‘corpo mole’ ou de displicência, as palavras de Khan e dos que defendem essa visão, é que, na verdade, “você segue desempenhando suas funções, mas sem seguir a mentalidade de que o trabalho deva ser sua vida”. O empregado cumpre as atividades para as quais foi contratado, nem mais, nem menos. Ué? Mas como assim?
Essa afirmação é incômoda, afinal, até aqui a lógica predominante é a de que as pessoas precisam ‘vestir a camisa’ da empresa, se dedicar em longas jornadas ao emprego para crescerem e encontrarem o sentimento de realização. Mas, com a pandemia, as dores latentes sobre a supervalorização do trabalho como a única fonte de sentido e de identidade foram ainda mais expostas.
O home office fez explodir os casos de burnout, estamos cada vez mais ansiosos e tendo que gerenciar o trabalho que pinga no WhatsApp a qualquer momento. Por outro lado, os últimos anos também despertaram novos questionamentos, por exemplo, “o que estou fazendo além de trabalhar?”, “por que não passo mais tempo com a minha família?”, “estou sendo recompensado adequadamente pela empresa?”.
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Com isso, surgiram fenômenos de demissão voluntária em massa em diferentes países, cada um com a sua particularidade. Por aqui, entre janeiro e maio deste ano, foram 2,9 milhões de trabalhadores que pediram para sair do trabalho, o maior índice desde 2005 – vale lembrar que isso, no Brasil, se restringe a um grupo reduzido de pessoas que pode abrir mão de um emprego. De qualquer forma, seguido pelo ‘quiet quitting’ -, o que fica claro é que novas relações com o trabalho estão em curso, por meio do debate sobre as demandas do mundo contemporâneo. Para profissionais de Gestão de Pessoas, o desafio é grande, mas a saída mais inteligente pode estar em acompanhar essa ressignificação, primeiro, a partir da compreensão do que as pessoas esperam do trabalho e das empresas, e segundo, repensando o próprio papel das organizações no mundo.
A vida para o trabalho ou o trabalho para a vida?
Se antes era a vida pessoal que tinha que se encaixar nas brechas do trabalho, agora, a ordem parece começar a se inverter – pelo menos para as novas gerações. Segundo a pesquisa da Workmonitor 2022, da Randstad, 56% dos profissionais entre 18 e 24 anos afirmam que deixariam um emprego, caso isso os impedisse de aproveitar a vida; 55% dos Millennials dizem o mesmo. 41% dos mais jovens, inclusive, já tomaram a atitude de sair de um trabalho, porque este não se encaixava com a esfera pessoal. Somados, 70% dos profissionais de 18 a 34 anos disseram ter saído de um emprego que não oferecia flexibilidade suficiente.
Em um cenário em que o burnout se tornou uma doença considerada ocupacional pela OMS, e que casos de depressão e ansiedade aumentaram no mundo, a reivindicação por políticas organizacionais que favoreçam este cuidado é evidenciada. No relatório Global Talent Trends, do LinkedIn, 66% dos entrevistados da geração Z dizem que investimentos em saúde mental são importantes para a construção de uma cultura de bem-estar, o que é valioso para a experiência positiva no trabalho e, claro, para sustentar a retenção desses talentos.
Além disso, resgatando a ideia de propósito, profissionais seguem com uma busca por um sentido no que fazem, mas se pararmos para pensar, houve uma ampliação do que isso significa. Com o chamado para as empresas refletirem sobre seus impactos na sociedade – especialmente pela crise climática e pelos abismos sociais -, a agenda ESG vem como uma preocupação para que as pessoas aceitem ou não uma oportunidade. Ainda no estudo da Randstad, profissionais no Brasil afirmam que:
- 47% não aceitariam um emprego em uma empresa que não estivesse alinhada aos meus valores sociais e ambientais;
- 50% não aceitariam um emprego se a organização não se esforçasse proativamente para ser mais sustentável;
- 51% não aceitariam um emprego se a organização não se esforçasse proativamente para melhorar sua diversidade e equidade.
O recado para as empresas é olhar para as pessoas
Seja o ‘quiet quitting’ ou a ‘grande renúncia’, é hora das organizações absorverem as informações que chegam mediante esses eventos que protagonizam problematizações e, sobretudo, provocam reflexões em torno de como podemos melhorar as relações com o trabalho e também garantir a perenidade dos negócios. Neste sentido, investir em uma requalificação de líderes para que se conectem com o espírito do tempo, além de criar estratégias voltadas ao bem-estar e à flexibilidade na rotina, por exemplo, permitindo mais autonomia na agenda e disponibilizando benefícios que manifestem reconhecimento e o cuidado, são caminhos que acolhem as mudanças e podem gerar resultados bastante positivos.
E então, este artigo sobre ‘quiet quitting’ e o que esse assunto revela sobre as relações de trabalho te ajudou a visualizar melhor o contexto das transformações que estão acontecendo entre empresas e profissionais, para que planejar as suas ações? Esperamos que sim!
Até a próxima 😉