Por Andreia Vitória – Palavra de Especialista
O termo intra-empreendedorismo tem vindo a ganhar crescente notoriedade e relevância, fruto da necessidade das organizações em manterem a sua vantagem competitiva, num contexto cada vez mais turbulento e desafiador. A conceção do colaborador intra‑empreendedor, isto é, um empreendedor interno, tem alimentado o interesse das organizações por este tipo de perfis. Um estudo da Michael Page, acerca das competências mais procuradas em 2020, aponta o intra-empreendedorismo como sendo uma das mais desejadas.
Mas o que significa, afinal, ser um intra-empreendedor?
Os intra-empreendedores, não raras vezes, são definidos como os “sonhadores que fazem acontecer”, isto é, como aqueles que, para além de serem criativos, assumem a responsabilidade em criar/operacionalizar a inovação dentro das organizações, em transformar uma ideia num novo produto ou serviço. Falamos, por conseguinte, em indivíduos intrinsecamente motivados, responsáveis, orientados para a resolução de problemas, que buscam soluções inovadoras, não se restringindo aos limites tradicionais da sua descrição funcional. Referimo‑nos, também, àqueles colaboradores que possuem uma visão holística da organização e do ambiente em que ela opera e que, por isso, são capazes de assumir riscos calculados na implementação da mudança. São, igualmente, perseverantes e resilientes, o que lhes permite superar os obstáculos e as agruras do processo. E, não menos importante, revelam-se proficientes no trabalho em equipas multidisciplinares, pois têm aguçada diplomacia e assinaláveis competências interpessoais.
As organizações vislumbram nos intra-empreendedores uma janela de oportunidade para se tornarem mais ágeis, mais flexíveis e mais eficientes, para reduzir custos ou para aumentar a sua rentabilidade. Deste modo, têm tentado agir em duas grandes frentes: no desenvolvimento das competências intra‑empreendedoras dos seus colaboradores e no recrutamento de colaboradores mais intra-empreendedores.
Julga-se que a Alphabet[1] continua a implementar um programa que foi herdado da Google, o “20-percent time”, cuja génese envolve incentivar os colaboradores a usarem, pelo menos, 20 por cento do seu tempo de trabalho para explorar ideias ou para trabalhar em projetos que julguem vir a beneficiar a empresa. Contudo, embora tentar transformar os colaboradores existentes em intra‑empreendedores pareça ser um objetivo extraordinário, esta ideia é incomparavelmente mais fácil de ser verbalizada do que de ser colocada em prática. Note-se que, para além de nem todos os colaboradores responderem do mesmo modo aos mesmos estímulos, existem um conjunto de barreiras, tanto individuais, como organizacionais, que podem comprometer o processo.
Assim sendo, as organizações têm-se também voltado para o recrutamento. Porém, recrutar indivíduos intra-empreendedores coloca desafios aos processos de recrutamento e seleção tradicionais. Obriga as organizações a repensarem o modo como irão atrair os seus potenciais candidatos, bem como a reequacionarem métodos de seleção tão “universais” como as entrevistas. Ademais, implica igualmente que estes indivíduos sejam contratados sob uma visão diferenciada, projetando-lhes expectativas mais elevadas, designadamente no que toca à descrição da sua função. Esta descrição (independentemente da posição em concreto) deve incluir atividades tais como: assumir e resolver problemas importantes; melhorar a experiência do cliente sempre que possível; propor novas ideias de produto/serviço com base no feedback do cliente; encontrar maneiras de reduzir custos e agilizar processos; etc. Quando uma organização contrata um colaborador almejando que ele seja intra-empreendedor, deve deixar isso claro, ab initio, para que o indivíduo nunca pense – “não me contrataram para fazer isto!”. Adicionalmente, é imprescindível que exista um sistema de recompensas adequado, planos de desenvolvimento individuais e oportunidades de carreira bem definidas. Pese embora estes incentivos sejam especialmente relevantes para a contratação de intra‑empreendedores, eles devem ser estendidos a todos os colaboradores, pois fomentam a motivação, aumentam o desempenho e minoram as intenções de saída.
Mas estejamos cientes de que estes esforços, para desenvolver e contratar intra‑empreendedores, serão em vão, se não existir um enquadramento apropriado dentro da organização. Apesar de existirem múltiplas formas de operacionalizar uma cultura que nutra a inovação, as organizações devem ser capazes de criar uma estrutura que a institucionalize e que permita o desenvolvimento de profissionais da inovação, oferecendo-lhes uma “carreira de inovação” e não somente “trabalhos de inovação”. Para além disso, é necessário que a organização esteja disposta a investir os recursos necessários à inovação criando, igualmente, uma estrutura inclusiva, com interfaces entre os diferentes departamentos/setores da organização. A inovação não pode ser uma divisão à parte do resto da organização, sob pena do seu sucesso tender a ser mais limitado.
Mas para que tudo isto seja possível, é indispensável que exista um ambiente psicologicamente seguro, ou seja, um contexto que promova o sentido de liberdade entre os colaboradores para partilharem os seus erros e falhas, para contribuírem com ideias e sugestões, manifestando o seu verdadeiro eu, sem receio de que tal tenha consequências nefastas para a sua imagem, carreira ou status.
>>>>
Andreia Vitória é Professora Auxiliar Convidada na Universidade de Aveiro. É ainda membro da unidade de investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP), da Universidade de Aveiro. A sua investigação envolve a Gestão de Recursos Humanos, o Comportamento Organizacional e a Liderança.
[1] empresa-mãe da Google