Recentemente, Portugal aprovou uma lei que proíbe chefes de enviarem mensagens para pessoas da equipe fora do horário de trabalho. O objetivo é contribuir para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, além de atrair “nômades digitais” para o país. Um olhar mais profundo mostra que esta medida tem como cerne a relação da tecnologia com o mundo corporativo.
Em um contexto cada vez mais conectado, no qual podemos acessar e-mails e ser acionados a todo momento pelo WhatsApp, ou trabalhar de casa com o computador, ali, sempre a postos, a nova regra vale como um recado importante para as organizações preocupadas com o bem-estar dos colaboradores e colaboradoras. Afinal, em que momento desconectamos?
Sim, a tecnologia é o que permite a flexibilidade do trabalho remoto, a possibilidade de ampliar o raio geográfico para contratar ou ser contratado e contratada. É a ponte capaz de conectar times, gerar mais eficiência e agilidade. A tecnologia, no entanto, também pode agir como ferramenta que potencializa o estresse, a ansiedade e a hiperconexão. O resultado? Profissionais exaustos, desmotivados e até mesmo doentes.
Neste sentido, mais do que encarar a transformação digital da porta para fora – ou seja, para os clientes e para o desenvolvimento de soluções – é fundamental que as empresas olhem da porta para dentro, focando em tornar os recursos tecnológicos aliados e não uma companhia amarga na experiência do colaborador (employee experience).
Anote aí: o bem-estar digital, além de ser um pilar essencial para o cuidado com as pessoas da organização, também é uma questão de retenção de talentos e sustentabilidade dos negócios.
Tecnologia pensada para o dia a dia
Facilitar a rotina, proporcionar autonomia e conforto, respeitar o tempo de trabalho e gerar colaboração são as principais diretrizes para as empresas desenvolverem seus programas de bem-estar digital. Isso porque, para se ter uma ideia, segundo uma pesquisa da Mckinsey, profissionais usam 20% de seu tempo procurando informações básicas para trabalhar, em sistemas, e-mails e arquivos. Além disso, um estudo da Microsoft realizado a partir do monitoramento de ondas cerebrais constatou o que muitas pessoas já sentiam: as reuniões virtuais são fonte de altos níveis de estresse, especialmente quando realizadas consecutivamente.
“No mundo de trabalho remoto e híbrido de hoje, não basta apenas incentivar o autocuidado. Precisamos inovar e aproveitar a tecnologia para ajudar os funcionários a operacionalizar as pausas necessárias em suas rotinas diárias.” Kathleen Hogan, Chief People Officer da Microsoft
A seguir, apontamos alguns caminhos para você considerar em suas estratégias de Gestão de Pessoas, para levar a conversa aos líderes e pares, fazendo com todos e todas sejam parte dessa construção tão relevante para as empresas. Acompanhe!
Integrar o bem-estar de forma holística
Um dos primeiros passos para definir seu programa de bem-estar é enxergá-lo como parte intrínseca da realização do trabalho em si. De acordo com a Deloitte, é preciso que as organizações “incorporem bem-estar dos funcionários às normas culturais, aos fluxos de trabalho, aos processos e às decisões de tecnologia.” Profissionais de RH, diretores e líderes de TI devem somar forças para encontrar as soluções que melhor respondam aos desafios e às demandas específicas da empresa.
Olhar para a liberdade e diversidade
Como sabemos, a flexibilidade é uma reivindicação da força de trabalho e deve ser considerada também na relação com a tecnologia. Na medida do possível, é importante que as empresas permitam que cada pessoa possa ajustar as plataformas e ferramentas de acordo com o que faz mais sentido para a sua rotina. E a liberdade também vem com o acesso: as soluções tecnológicas implementadas atendem a todos e todas, por exemplo, pessoas com deficiência visual ou auditiva?
Tornar as reuniões mais intencionais
Uma das orientações que o relatório da Microsoft traz para superar a exaustão gerada por reuniões seguidas é repensar a função desses encontros. A primeira pergunta é: precisamos mesmo de uma reunião? Esse momento é, de fato, muito importante para gerar conexão entre as pessoas e promover conversas sobre decisões mais complexas, mas só tem o resultado esperado quando apresenta clareza no objetivo da conversa e oferece tempo para que colaboradores se preparem.
Por isso, ao agendar uma reunião, é fundamental que as pessoas saibam o tema a ser discutido, tenham sido consultadas sobre a disponibilidade e tenham tempo hábil de se munir de informações e reflexões para contribuir durante o encontro, tornando a conversa mais rica, colaborativa e efetiva. Se possível, envie um roteiro do que será abordado e sempre respeite o horário de encerramento.
Equilibre a comunicação assíncrona e síncrona
Verdades sejam ditas: muitas reuniões poderiam, sim, ter sido um e-mail, e aquela mensagem no chat ou no WhatsApp não precisava ser respondida imediatamente.
Respeitar o tempo de trabalho das pessoas faz parte de um uso saudável da tecnologia no ambiente de trabalho. Por isso, vale considerar os formatos de comunicação assíncrona, ou seja, quando não há necessidade de uma resposta em tempo real – como e-mails, sistemas de gestão de projetos e armazenamento em nuvem.
Já a comunicação síncrona, aquela em que há contato direto e imediato (chat, aplicativos de mensagem, ligação, reuniões virtuais e presenciais) pode ser explorada para colaboração entre as pessoas, tomadas de decisão e momentos de integração – onboarding, team building, por exemplo.
Incentivar a desconexão e fazer isso valer
Lembra quando falamos da lei em Portugal que penaliza chefes por enviarem mensagens fora do expediente? Ainda que por aqui ainda não exista tal regulamentação, você pode inserir políticas de melhor uso da tecnologia para evitar que assuntos de trabalho invadam os momentos de lazer e descanso – inclusive, é interessante que as empresas incentivem pausas também durante o dia de trabalho. Elas são essenciais para resetar a mente e aliviar o estresse, melhorando também o foco e o engajamento nas próximas atividades.
E, claro, esse exemplo e conduta devem ser vistos desde a liderança, para que colaboradores e colaboradoras se sintam confortáveis em também cuidar do seu bem-estar ao longo da jornada.
A Gestão de Pessoas evoluiu para uma área muito estratégica dentro das organizações, liderando a transformação que o mundo do trabalho pede na era digital. Impossível, assim, desconectar da missão do RH e de gestores e gestores a perspectiva que a própria tecnologia traz para as relações profissionais, produtividade e experiência de colaboradores e colaboradoras. E mais do que nunca, o bem-estar está no centro deste tudo isso.
Gostou das dicas? Já está pensando em levar esta conversa para a sua empresa? Esperamos ter ajudado você a conduzir as mudanças por aí!
Até a próxima 🙂